Por quantas vezes a gente já ouviu adultos, sejam pais, professores ou tios, se dirigindo a uma criança nestes termos querendo coibi-la de fazer “travessuras” ou “coisas erradas?”. Do alto dos meus 54 anos de vida, 30 deles dedicados à música e educação, posso assegurar que não foram poucas.
Pode parecer um gesto inofensivo, porém, tenho certeza de que na realidade ele vem carregado de preconceito e, se repetido muitas vezes, se transforma em uma verdade castradora.
Um bom exemplo desse tipo de preconceito é o famoso “dito popular” que durante muito tempo foi usado, de forma deliberadamente alterada, para nos condicionar aos horários do patronato: “Deus ajuda a quem cedo madruga”.
Para os desavisados este é um mandamento quase divino que se não for seguido acarreta o sério risco do castigo do inferno! Alguém, num dado momento do processo de dominação de classes, alterou o “dito” original: “Mais vale quem Deus ajuda do que quem cedo madruga” e operou uma inversão sutil, porém muito cruel, no papel que Deus representa na vida das pessoas trabalhadoras, livres, criativas e de bom coração, ou seja;
- na versão original Deus pode nos ajudar incondicionalmente, não importa a que horas acordemos;
- na versão alterada Deus ajuda somente a quem acorda de madrugada, portanto coitados daqueles que trabalham durante o período noturno (músicos, vigilantes, etc.).
Repetir sem refletir “menino não faça arte” vai totalmente contra o pensamento educacional contemporâneo, onde a arte finalmente é reconhecida como ferramenta importantíssima na facilitação do conhecimento em suas diversas áreas.
Minha vivência com projetos de arte-educação junto a crianças e professores da Educação Infantil e Ensino Fundamental me mostra claramente os resultados diferenciados que podemos obter no desenvolvimento das crianças quando oferecemos a elas vivências nas diferentes linguagens artísticas, no meu caso a música.
Estas crianças passam a ter maior facilidade com a Linguagem oral e escrita, com a Matemática, maior capacidade e riqueza expressiva, maior facilidade em Natureza e Sociedade, entre outros benefícios. É fato notório que a natureza lúdica da arte promove o interesse e o encantamento das crianças proporcionando um contato prazeroso com o conhecimento em suas diferentes áreas.
Minha convicção é de que devemos estar atentos aos nossos gestos cotidianos, ao conteúdo que emanam e às conseqüências que trazem, portanto vamos reiterar o que nos enriquece como seres humanos: “Menino e menina façam muita arte!”, “Menino e menina queiram muita arte!”, pois assim melhoraremos nossos espíritos, nossa cultura e nosso conhecimento.
Arte não é travessura nem crime, artista não é ameaça em potencial. Através da arte podemos nos aproximar da beleza divina que nos é oferecida a cada novo dia.
Beto Quadros é músico e arte-educador.
Trabalha com o Grupo Caixa de Histórias como diretor musical dos espetáculos "A Fabulosa Viagem de Duda e Lola em busca da irmã perdida ou... Cadê Kika?" e "Lurdes e Mércia em as estrelas do Oriente"
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